Por: Denise Mattar
O Pasmo Essencial
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
é aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo
Alberto Caeiro
No início, Pietrina olhava para o seu corpo. Olhava cada parte dele como se fosse uma novidade, a ser compreendida, cheirada, apalpada, lambida. O pincel da artista percorria texturas, curvas e dobras criando insólitas paisagens, repletas de sensualidade, e paradoxalmente frias, na estranheza advinda do espanto.
Em 1969, sobre esta fase da artista o crítico Roberto Pontual , no seu estilo poético, capaz de alcançar tão profundamente a obra dos artistas, dizia: (…)
(…) usando “closes” e perspectivas de deliberada contorsão, com o domínio exato e não enrijecido da apreensão de anatomias, Pietrina consegue encaminhar nosso olhar inicial para o cerne de sua denúncia (…) : a evidência do mundo do não mais, do já passado, da tranqüilidade e beleza tornadas impossíveis, da lânguida atmosfera de poder sonhar e contemplar, da paz que está na textura da própria pele ou no risco essencial de um olhar fechado para o mundo,na cornucópia da magia e nos elementos florais suavizantes, na música cravando contraponto. No entanto – e é nisso que reside e vibra a densidade maior de sua pintura – nada de saudosismo(…)Pietrina, na sua lúcida vivência da contemporaneidade, compreende porque essa paz que ela pinta já não corresponde ao mundo de nossa pisada diária.
Hoje, o olhar da artista, “nítido como um girassol”, explora lucidamente a rosa. Apalpa sua textura carnal, aveludada, sedosa, acetinada. Revela que uma só cor é eivada de nuances que se deixam entrever. Entrega-se ao abraço das muitas pétalas que se abraçam; num delírio de sensualidade que cria mulheres-flor. É uma viagem através de cores e formas familiares e estranhas, e o que vemos, a cada momento, é o que sempre vemos, mas que antes nunca tínhamos visto…
E na vertigem da beleza, com o mesmo olhar de espanto, Pietrina encontra o espinho. Mas ele, que também é rosa, não se deixa apalpar, cheirar e lamber; exige ser olhado com distância. A apreensão tem que ser feita cautelosamente, e sua natureza invasora, dura e escura, cresce, se expande, entrelaça, sufoca. É o contraponto revelando suas garras, e trazendo seus herdeiros, figuras estranhas, prontas a cravar em nós os seus pequenos dentinhos.
Alberto Caeiro finaliza seu poema dizendo que ele não tem filosofia, tem sentidos, que pensar é não compreender, e que a única inocência é não pensar. A obra de Pietrina materializa este olhar inocente e curioso, preciso sem ser científico, e pleno de encanto pela eterna novidade do Mundo.
Bem longe do surrealismo, Pietrina Checcacci é uma artista pop, que faz uma apologia da vida, porque seu olhar soube guardar o pasmo essencial.
Denise Mattar curadora 2007