Por: Roberto Pontual

A FORMA VIVA DO DENUNCIAR

Roberto Pontual – 1970

A obra de arte impõe sua maneira específica de lançar denúncia e nisto ela se justifica.  Assim é arriscado, inexato e esterilizante pretender que tal função – a mais ampla de sua presença – se estabeleça pelos parâmetros de outras atividades humanas, que exigem o claro, preciso, direto ato de denunciar.  Apreendendo tensamente a realidade do mundo, misto de exterior e interior, o artista cria novas estruturas pulsantes e dinâmicas, cujo pleno significado só se entrega – e,  portanto , se completa – na medida que exige um esforço correspondente de apreensão,  compreensão e absorção por parte do seu espectador-consumidor.  Na medida em que exige dele uma saída de dentro de si próprio para encontrar então, no preexistente mistério que se abre e deixa de sê-lo, a viva evidência das coisas.

A pintura de Pietrina Checcacci tem sido nos últimos anos um esforço de linguagem modificadora.  Sua funcionalidade está em que,  para compreende-la temos que forçosamente mergulhar na matéria fervente das regiões além da mera superfície.  Porque na superfície – especialmente nas obras que agora apresenta – há o romantismo do homem e da mulher postos em tranqüilo e contemplativo confronto e convivência, no belo exacerbado em forma e cor, na sinuosidade decorativa do barroco  e “art nouveau”, na mística geral e numa certa languidez de semi-sonho que estabelece a primeira atmosfera.

Mas a sua fala autêntica resulta da montagem (lembro-me que ela um dia sentir vibrantemente a música de Caetano Veloso e o exemplo é bom e significativo, pois trabalham ambos com a dinâmica dos relacionamentos entre a matéria aparente exangue da superfície e a lava da profundidade.  Nessa montagem, que concede novo sentido às coisas e implica em esforço modificador de compreensão, nasce todo o gesto e grito de denúncia).  Usando   “closes” e perspectivas de deliberada contorção, com o domínio exato e não enrijecido   da apreensão de anatomias, Pietrina consegue encaminhar nosso olhar inicial para o cerne de sua denúncia.  E em que consiste ela?  Naquilo que não está explicito e evidenciado em cada um dos seus quadros(como estava um pouco mais nos seus estandartes, por volta de 1968 ),mas que somos nos, no nosso movimento até a realidade da obra, que fundamos, desdobramos e aprofundamos.  A denúncia que cabe a cada um de nos descobrir – porque é latente – partindo de ver em suas telas a evidência do não mais, do já passado, da tranqüilidade e beleza tornadas impossíveis, da lânguida atmosfera de poder sonhar e contemplar, da paz que está na textura da própria pele ou no risco essencial de um olhar fechado para o mundo, na cornucópia da magia e nos elementos florais suavizantes, na linha da música cravando contraponto.  No entanto – e é nisto que reside e vibra a densidade maior de sua pintura – nada de saudosismos, de vontade de voltar para recuperar  tal como.  Pietrina, na sua lúcida vivência de contemporaneidade, compreende porque essa paz que ela pinta já não corresponde ao mundo de nossa pisada diária.  A paz que seria para nos quando outra espécie de tranqüilidade estivesse conquistada.  Mas que, por enquanto é o posto da experiência humana.   A paz que foi ou a paz que virá? Essa pintura não responde, porem propõe.

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